O regime de bens é uma escolha fundamental no planejamento matrimonial e patrimonial de um casal, refletindo suas intenções e expectativas em relação ao patrimônio adquirido antes e durante o casamento. Entre os regimes disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro, a separação total de bens se destaca por manter, em regra, o patrimônio de cada cônjuge separado, desde o início até o fim da união. No entanto, o entendimento jurídico sobre a sucessão hereditária nesse regime pode surpreender muitos, especialmente no que diz respeito ao direito do cônjuge sobrevivente à herança do falecido.
A Separação Total de Bens: Conceito e Aplicação
O regime de separação total de bens, ou separação convencional, é aquele em que os cônjuges optam por manter seus patrimônios totalmente independentes. Nesta modalidade, cada um possui autonomia sobre seus bens, podendo administrá-los, aliená-los ou gravá-los sem a necessidade de consentimento do outro, salvo algumas exceções previstas em lei. Este regime é comumente escolhido por casais que desejam proteger seus patrimônios individuais de uma comunhão futura, seja por razões pessoais ou empresariais.
Direito à Herança no Regime de Separação Total de Bens
Apesar da aparente independência patrimonial garantida pelo regime de separação total de bens, o direito sucessório brasileiro introduz uma peculiaridade importante. Nos termos do art. 1.829 do Código Civil, o cônjuge sobrevivente pode ter direito à herança do falecido, mesmo que tenham optado pelo regime de separação total de bens. Essa regra é aplicável na ausência de descendentes ou ascendentes do falecido, ou mesmo na existência de bens particulares que não foram partilhados durante o casamento.
Segundo o dispositivo legal, o cônjuge sobrevivente concorre na herança com os descendentes do falecido quando o casamento ocorreu sob o regime de separação convencional de bens. A jurisprudência brasileira, incluindo o Enunciado 270 do Conselho da Justiça Federal, reforça essa interpretação ao estabelecer que o cônjuge sobrevivente possui o direito de concorrer com os descendentes na herança, mas apenas no que se refere aos bens particulares do falecido.
Implicações Práticas e Considerações Finais
Essa realidade pode gerar situações inesperadas para aqueles que acreditam que a separação total de bens impediria qualquer transmissão patrimonial entre os cônjuges após a morte de um deles. A possibilidade de concorrência na herança pode contrariar a intenção inicial dos cônjuges ao escolherem este regime de bens. Para evitar esse tipo de situação, é recomendável que os casais façam uso de instrumentos jurídicos complementares, como o testamento, para dispor sobre seus bens de maneira mais alinhada às suas vontades.
Por fim, vale ressaltar que o regime de separação total de bens não impede que o cônjuge sobrevivente tenha direito real de habitação sobre o imóvel residencial do casal, independentemente de concorrer ou não na herança. Esse direito é garantido pelo art. 1.831 do Código Civil, reforçando a proteção do cônjuge sobrevivente em situações de vulnerabilidade.
A escolha do regime de bens e a compreensão de suas consequências jurídicas são essenciais para um planejamento sucessório eficaz, garantindo que a vontade dos cônjuges seja respeitada na sua plenitude.
Jansen Oliveira – Advogado especializado em Planejamento Sucessório Familiar